"Zero Waste" - Porquê?

A tendência da vida “Zero Waste” está a tornar-se familiar para cada vez mais pessoas, tendo como matriz a redução, ao máximo, da quantidade de lixo que geramos nas nossas vidas. Mas porque é que isto é tão importante, e como podemos caminhar para o “lixo zero”?


 Começando pelo início, quanto lixo estamos a gerar e para onde é que ele vai quando o “deitamos fora”?

Segundo o Banco Mundial [1], em 2016 gerava-se, mundialmente, 2,01 mil milhões de toneladas de lixo por ano, o que corresponde a aproximadamente 5,5 milhões de toneladas por dia. Continuando a trajetória que temos seguido, estima-se que, em 2050, estejamos a gerar 3,40 mil milhões de toneladas anualmente, ou seja, 9,3 milhões de toneladas por dia.

A América do Norte é o local onde é produzido mais lixo por pessoa, com uma média de cerca de 2,210 kg por dia. No outro extremo do espectro, está a África Subsariana, onde são gerados, em média, 460 g. Já na Europa e Ásia Central, gera-se 1,180 kg por pessoa, por dia [1].

A própria composição do lixo municipal varia consoante a zona geográfica: por exemplo, em países de baixo rendimento, uma maior percentagem do lixo é orgânico, comparando com países de rendimentos elevados (nos quais Portugal se insere) [1]. Isto é um reflexo do facto de, em países mais desenvolvidos, as pessoas terem maior acesso a uma grande variedade de materiais, nomeadamente plástico, papel, metais e vidro (descartáveis, ou não).

Segundo dados da Eurostat [2], em 2017, na União Europeia, gerava-se 173,8 kg de lixo vindo de embalagens, por pessoa, o que equivale a cerca de 480 g por dia!

Para além do lixo municipal, existem também outros tipos de lixo, como o lixo industrial, agrícola, médico, electrónico (o chamado “e-waste”), resíduos perigosos e lixo de construções e demolições.

Um dos maiores desafios do lixo é o facto de o “deitar fora” não existir realmente. A nível global, 37% do lixo é depositado em algum tipo de aterro, 33% é despejado de forma livre (o chamado “open dumping”) em estradas, cursos de água ou em terrenos, por exemplo; 19% é recuperado através de reciclagem ou compostagem; e 11% é incinerado [1]. O “open dumping” acontece especialmente em países em desenvolvimento, em parte porque nestes países a taxa de recolha do lixo é geralmente mais baixa.
Segundo o Eurostat [2], na UE em 2017, 67,5% dos resíduos de embalagens eram reciclados, sendo em Portugal esta taxa igual a 55,3%.

Mas qual é, afinal, o problema de estarmos a gerar tanto lixo?

A produção de lixo significa, em muitos casos, uma perda de recursos - tanto dos materiais que são desperdiçados, como de todos os recursos que foram necessários para os produzir (como água e energia, por exemplo).

Como o “deitar fora” não existe realmente, os materiais desperdiçados ficam connosco no Planeta a gerar algum tipo de impacto.

Nos aterros, por exemplo:

  • Existe o risco de poluição de águas circundantes (tanto superficiais como subterrâneas), através da libertação de todo o tipo de substâncias do lixo [3]

  • Emite-se dióxido de carbono (CO2) e metano, resultante da decomposição anaeróbica das matérias orgânicas. Ambos os gases são causadores do efeito de estufa, sendo que o metano é 28-36 vezes mais potente que o CO2, considerando um período de 100 anos [4]

  • Ocupa-se terrenos, afetando os seus ecossistemas

No caso de incineração:

  • Há um grande potencial de poluição atmosférica, por exemplo com metais pesados [3], e de emissão de gases com efeito de estufa [5]

  • Adicionalmente, cinzas e resíduos resultantes dos sistemas de controlo de poluição requerem estabilização e descarte como resíduos perigosos [5]

Adicionalmente, apesar da reciclagem ser uma forma de prolongar o tempo útil dos recursos e evitar o impacto da extração de novos materiais, não deve ser encarada como uma solução ótima. Isto acontece, por um lado, porque a própria reciclagem também exige recursos para ser efetuada (como energia), embora menos em geral [5], e também porque vários materiais apenas podem ser reciclados um número finito de vezes (como o papel e o plástico).

De acordo com informação partilhada pelo Banco Mundial [1], em 2016, foram emitidas 1,6 mil milhões de toneladas de CO2-equivalente devido ao descarte e tratamento de resíduos sólidos, representando cerca de 5% de todas as emissões mundiais de gases com efeito de estufa. Já de acordo com a Eurostat [6], na UE em 2017, este valor foi de 3% para a gestão do lixo. Entre 1990 e 2017 (dados disponíveis), o valor das emissões de CO2-equivalente na UE devido à gestão do lixo têm apresentado uma tendência decrescente [6].

 

O que podemos, então, fazer para reduzirmos a quantidade de lixo que geramos?

Como tenho referido nos últimos artigos, a responsabilidade de redução de lixo e do seu impacto não nos cabe só a nós, enquanto consumidores, mas também a empresas e decisores políticos.

É, por exemplo, responsabilidade das empresas desenhar produtos duradouros, facilmente reparáveis, com apenas as embalagens estritamente necessárias, e com métodos de recolha e reciclagem em fim de vida.

É também necessário continuar a melhorar as metodologias de gestão de resíduos e, por exemplo, a valorização de gases com efeito de estufa para a produção de energia [1].

Nós, enquanto pessoas individuais, podemos:

  • Optar por produtos reutilizáveis, em vez de descartáveis (como garrafas, sacos, discos desmaquilhantes, cotonetes, guardanapos, pensos, panos)

  • Comprar a granel ou em embalagens maiores (uma vez que as embalagens maiores têm, em geral, menos quantidade de material descartável por quantidade de produto vendido). Atenção que comprar em embalagens maiores só é válido se não levar ao desperdício alimentar, que também significa mais lixo gerado!

  • Evitar desperdiçar alimentos

  • Reutilizar tudo o que conseguirmos. Arrisco-me a dizer que a maioria das coisas que, em geral, deitamos fora, podem ser reutilizadas para outro propósito – é só dar largas à imaginação. Na minha página no Instagram, foco-me muito neste tema

  • Reciclar tudo o que não conseguirmos reutilizar

  • Substituir a compra de alguns produtos novos por produtos em segunda-mão

  • Substituir a compra de alguns produtos novos por produtos feitos a partir de materiais reciclados (incluindo moda, em que já há marcas que fazem calçado e vestuário com plástico recolhido dos oceanos, por exemplo, ou marcas que fazem joalharia com metais reciclados). O meu projeto de reutilização de excedentes têxteis para a produção de objetos reutilizáveis, Reuse a Choice, também é um exemplo

  • Fazer compostagem

Pirâmide.png

Para terminar, não podia deixar de fazer referência à pirâmide dos 5 R’s do “Zero Waste”, criada por Bea Johnson. Nesta pirâmide, hierarquiza-se os passos que devemos seguir para ter uma vida sem lixo. Os passos são:

  1. Recusar tudo o que é desnecessário

  2. Reduzir tudo o que é necessário (em quantidade e variedade)

  3. Reutilizar

  4. Reciclar tudo o que não conseguimos reutilizar

  5. “Reincorporar” (compostar) tudo o resto

E lembrem-se, não precisamos de alguns “zero-wasters” perfeitos, precisamos que todos sejam “zero-wasters” imperfeitos!


Ouvir no Podcast “Plantando Escolhas”:


Fontes:

1 Kaza, Silpa, Lisa Yao, Perinaz Bhada-Tata, and Frank Van Woerden. 2018. What a Waste 2.0: A Global Snapshot of Solid Waste Management
to 2050. Urban Development Series. Washington, DC: World Bank. doi:10.1596/978-1-4648 -1329-0. License: Creative Commons Attribution CC BY 3.0 IGO (https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/30317)

2 “Packaging Waste Statistics”, Eurostat (https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php/Packaging_waste_statistics)

3 “Waste generation and management”, Agência Europeia do Ambiente (https://www.eea.europa.eu/ds_resolveuid/BY13KEHW8R)

4 “Basic Information about Landfill Gas”, United States Environmental Protection Agency (https://www.epa.gov/lmop/basic-information-about-landfill-gas#:~:text=When%20MSW%20is%20first%20deposited,the%20waste%20and%20generate%20methane)

5 “Waste management options and climate change”, Comissão Europeia (https://ec.europa.eu/environment/waste/studies/pdf/climate_change.pdf)

6 “Greenhouse gas emissions from waste”, Eurostat (https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/-/DDN-20200123-1)

  

Rita TapadinhasComentário