Água "real" e água "virtual": o que são e como reduzir o consumo

O nosso planeta é muitas vezes apelidado de Planeta Azul por ser maioritariamente constituído por água, mas apenas uma ínfima percentagem (1%) está acessível ao ser humano. Ao mesmo tempo, virtualmente todas as atividades humanas requerem água, e, se não forem geridas de forma adequada, contribuem para a sua poluição e escassez. Ter consciência sobre o nosso consumo de água “real” e água “virtual” é o primeiro passo para compreendermos como podemos contribuir para inverter a ameaça latente de escassez. Está nas mãos de empresas, governos e pessoas individuais participar nesta mudança.


 A água é essencial à vida, e é também fundamental para produzir tudo o que temos e consumimos

70% do nosso planeta é coberto por água, mas apenas 3% é água doce, e só 1% é água doce e está acessível ao ser humano [1]. Este 1% serve para sustentar a vida de 8 mil milhões de pessoas, e engana-se quem pensa que esta água é apenas utilizada para beber, tomar banho, lavar loiça e roupa, e na agricultura. A água está presente em virtualmente todos os processos de produção, sendo necessária para gerar tudo o que temos e tudo o que consumimos.

Para além dos usos que conhecemos, a água é também um recurso fundamental nas indústrias, servindo, entre outros, de diluente, agente de arrefecimento, agente de lavagem, ou mesmo de ingrediente. Quando não tratada devidamente e libertada em meios aquáticos, a água contaminada torna-se num agente de poluição

O consumo intenso de recursos hídricos levou a população mundial a uma situação crescente de vulnerabilidade

O World Resources Institute estima que, continuando a trajetória que temos seguido, a partir de 2040, 33 países estarão sob “risco extremamente elevado” de stress hídrico, e 26 países estarão sob “risco elevado” – Portugal faz parte deste último grupo [2].

Fonte: World Resources Institute [2]Os níveis de risco estão classificados de acordo com o rácio entre o consumo e a disponibilidade de água. Quanto maior o consumo, mais vulneráveis ficam os países a oscilações na disponibilidade de água (secas) ou…

Fonte: World Resources Institute [2]

Os níveis de risco estão classificados de acordo com o rácio entre o consumo e a disponibilidade de água. Quanto maior o consumo, mais vulneráveis ficam os países a oscilações na disponibilidade de água (secas) ou a aumentos de consumo.

Na verdade, o consumo de água está muitas vezes “escondido” – é aqui que entram os conceitos de “pegada hídrica” e “água virtual”

Segundo o Portal da Água, em Portugal gastamos, em média, 187 litros de água por dia, por pessoa, mas apenas necessitamos de 110 [3]. São 77 litros a mais por dia, que se traduzem em 28 mil litros a mais por ano!

Apesar disto, o nosso maior consumo hídrico vem do que comemos e do que temos. Falamos em “pegada hídrica” para representar a água que foi utilizada ou poluída em todos os processos de produção de algum bem ou alimento. A “pegada hídrica” tem em conta o local, a fonte e o momento em que o consumo de água se deu [4]. Já o conceito de “água virtual” refere-se exclusivamente à quantidade de água total associada à produção de um bem [5].

Se consumimos em média 187 litros de “água real” por dia, quanto consumimos de “água virtual”? Segundo estatísticas apresentadas pelo Food and Water Watch [6], consumimos entre 2.700 e 5.000 litros por dia. Estes números são, claro, aproximações, e dependem muito das especificidades do nosso estilo de vida.

Abaixo, uma tabela com valores médios mundiais indicativos da quantidade de “água virtual” associada à produção de diversos alimentos.

 
Fonte: Water Footprint Network [7]Os valores são indicativos, dependendo do local e das práticas de produção aplicadas

Fonte: Water Footprint Network [7]

Os valores são indicativos, dependendo do local e das práticas de produção aplicadas

 

Por outro lado, para produzir um t-shirt de algodão, são necessários cerca de 2.500 litros de água, enquanto que, para produzir uns jeans, são necessários cerca de 8.000 litros. Estes números são, à semelhança dos números acima, indicativos: um kg de algodão requer 6.000 de água na China, 8.100 litros nos EUA, 9.600 no Paquistão, e 22.500 na Índia, por exemplo [7].

Devido a estas assimetrias na necessidade de água para a produção de diferentes bens, e na própria disponibilidade de água em cada ponto do mundo, o comércio internacional tem servido como forma de países com recursos hídricos limitados e menor produtividade terem acesso a bens que requerem um uso intensivo de água na produção, poupando assim água a nível nacional e, em alguns casos, a nível global [8].

 

Enquanto cidadãos, podemos ter impacto e contribuir para uma melhor (e menor) utilização de água

Como sabemos, uma melhor gestão da água é responsabilidade não só nossa, enquanto pessoas individuais, mas também de empresas (que devem encontrar práticas mais eficientes de utilização de água) e dos responsáveis políticos (que devem encontrar formas de incentivar a esta melhor utilização).

De qualquer das formas, podemos ter um grande impacto se reduzirmos o nosso consumo de “água real” e de “água virtual”, e se mostrarmos que nos preocupamos com este assunto – porque, como sabemos, as empresas procuram fazer aquilo que satisfaz os consumidores, e os responsáveis políticos querem satisfazer os eleitores.

O que podemos, então, fazer?

- Em primeiro lugar, devemos procurar reduzir o nosso consumo ativo de água:

o   Desligar a água enquanto estamos a ensaboar as mãos, lavar os dentes, ou ensaboar o cabelo ou corpo no duche - fácil :)

o   Lavar apenas a roupa e loiça quando as máquinas estão cheias

o   Guardar e reaproveitar a água de aquecimento para o duche (pode ser utilizada para tudo - regar plantas, autoclismo, beber, cozinhar, etc.)

o   Regar as plantas de manhã ou ao final do dia, para prevenir a evaporação (e termos de acabar a regar mais vezes)

o   Reduzir a quantidade de água no autoclismo, colocando uma garrafa de água cheia lá dentro (que vai ocupar espaço, não deixando o reservatório encher-se tanto)

o   Equipar as torneiras com redutores de caudal

o   Se estiverem a pensar adquirir uma nova sanita, podem ponderar comprar uma que serve também de lavatório de mãos e recolhe a água para utilização no autoclismo. Vejam aqui um exemplo

- Devemos também reduzir ao máximo o nosso desperdício de comida (segundo a OCDE, 70% da água utilizada a nível mundial destina-se à agricultura [9], por isso, para além de todos os outros problemas associados ao desperdício alimentar, quando desperdiçamos comida estamos a desperdiçar água):

o   Comprar apenas a quantidade de comida que vamos consumir

o   Conservar os alimentos de forma adequada

o   Não deitar pequenos restos fora: dão sempre para comer no dia seguinte ou para juntar a mais ingredientes e fazer um novo prato

o   Apoiar projetos como a Phenix ou a Too Good to Go, que ajudam restaurantes, cafés e supermercados a escoar o stock de alimentos ao final do dia, e como o supermercado Good After, que vende produtos alimentares perto ou após a data preferencial de consumo (que continuam a ser seguros para consumir)

- Adicionalmente, devemos procurar substituir algumas compras de objetos novos por objetos em segunda-mão ou por objetos reutilizados

- Por fim, é importante procurar fazer uma alimentação mais à base de plantas. Segundo um estudo referido pela Comissão Europeia [10], uma dieta vegetariana na Europa pode reduzir entre 27% e 41% o consumo de água, dependendo da zona geográfica. No sul da Europa, no qual Portugal se inclui, pode chegar aos 41%. Como em tudo, não é preciso mudar de um dia para o outro, nem abolir completamente os produtos animais, se para nós não fizer sentido no momento. Começar com uma refeição vegetariana por semana já pode ser um começo. 

Todas as pequenas mudanças contam e, litro a litro podemos fazer a diferença. Sendo a água necessária para nos mantermos vivos e para produzir tudo o que temos, é essencial mudar a nossa trajetória, pouco a pouco, para garantir que consumimos este recurso a um ritmo igual ou inferior ao ritmo da sua renovação.


Ouvir no podcast “Plantando Escolhas”:


Alguns recursos online:

  • Your Plan, Your Planet (Google, California Academy of Sciences, Ellen McArthur Foundation) -  ferramenta que nos permite, de forma superficial, avaliar o nosso consumo de água, alimentos, energia e bens, e nos dá dicas sobre como reduzir esse consumo (https://yourplanyourplanet.sustainability.google/)

  • The Water We Eat – website que mostra de forma visual como é que consumimos água através da alimentação (https://thewaterweeat.com/)


Fontes: 

1 “O uso da água em Portugal”, Fundação Calouste Gulbenkian (2020) (https://content.gulbenkian.pt/wp-content/uploads/2020/06/23155719/Uso-da-%C3%A1gua-em-Portugal_Estudo-Gulbenkian.pdf)

2 “Ranking the World’s Most Water-Stressed Countries in 2040”, World Resources Institute (2015) (https://www.wri.org/blog/2015/08/ranking-world-s-most-water-stressed-countries-2040)

3 “Valor da Água”, Portal da Água (https://www.portaldaagua.pt/valor-da-agua)

4 “Product Water Footprint”, Water Footprint Network (https://waterfootprint.org/en/water-footprint/product-water-footprint/)

5 “Frequently Asked Questions”, Water Footprint Network https://waterfootprint.org/en/water-footprint/frequently-asked-questions/

6 “Virtual Water”, Food and Water Watch (2013) https://www.foodandwaterwatch.org/insight/virtual-water

7 “Product Gallery”, Water Footprint Network (https://waterfootprint.org/en/resources/interactive-tools/product-gallery/)

8 “Virtual Water Trade”, Water Footprint Network (https://waterfootprint.org/en/water-footprint/national-water-footprint/virtual-water-trade/)

9 “Managing water sustainably is key to the future of food and agriculture”, OCDE (https://www.oecd.org/agriculture/topics/water-and-agriculture/)

10 “A vegetarian diet can help reduce water consumption across Europe”, Comissão Europeia (https://ec.europa.eu/environment/integration/research/newsalert/pdf/358na5_en.pdf)

Rita TapadinhasComentário