Desflorestação: qual o ponto de situação e o que fazer para a travar?

As florestas são muitas vezes referidas como o “pulmão do Planeta” e, na verdade, para além de serem importantes na produção de oxigénio, são também fundamentais em muitas outras áreas. O problema é que têm estado a ser destruídas a um ritmo alarmante e é altura de cidadãos, decisores políticos e empresas se unirem para travar este flagelo


Ouvir no podcast “Plantando Escolhas”:


Começando pelo início, porque é que as florestas são importantes?

As florestas são essenciais, entre outros, na absorção dióxido de carbono da atmosfera e na produção de oxigénio (através da fotossíntese) [1]; na regulação das temperaturas (através da transpiração e sombra) [1]; na manutenção do ciclo da água (fornecem 75% da água potável acessível a nível global) [2]; na prevenção da erosão dos solos (através das raízes, que seguram as terras) [3] e no controlo de cheias (através da absorção de água) [3].

Para além disso, 1,6 mil milhões de pessoas dependem das florestas como meio de subsistência [4] e estima-se que 80% da fauna e flora terrestre viva em meio florestal [5].

Qual o ponto de situação atual?

As florestas cobrem cerca de 30% da área terrestre do Planeta [6], sendo que mais de metade está concentrada em 5 países (Rússia, Brasil, Canadá, EUA e China) [5]. A sua área tem vindo a diminuir: entre 1990 e 2015 (25 anos), perdemos 1,3 milhões de quilómetros quadrados de floresta, o que equivale a mais do 1.000 campos de futebol por hora (com medidas médias) [7]!

Algumas das principais causas de desflorestação são a pecuária, a agricultura, extração de madeiras, fogos, extração mineira e o desenvolvimento de infraestruturas [8].

De acordo com um estudo publicado na revista Science em 2018 [9], a produção de bens (como agricultura, pecuária, extração mineira e indústria do gás e petróleo) é a maior causa de desflorestação, representando 27% da perda global de árvores entre 2001 e 2015. Logo a seguir, representando 26% da perda global, temos a exploração florestal. Depois, temos a “agricultura itinerante” (24%), em que árvores são removidas para o cultivo de culturas de sobrevivência no curto-prazo. De seguida, temos os incêndios (23%) e, por último, o desenvolvimento urbano (menos de 1%).

O caso da Amazónia é um dos mais conhecidos: nos últimos 50 anos, cerca de 17% da floresta tropical Amazónica foi destruída [10].

O corte e queima de árvores liberta dióxido de carbono na atmosfera (gás responsável pelo efeito de estufa), e impede que este continue a ser absorvido [6]. De facto, relativamente à desflorestação e degradação florestal no total global, as estimativas variam consideravelmente (entre os 10% e os 20% em geral), sendo que, de acordo com a Food and Agriculture Organization da Organização das Nações Unidas, este valor situa-se nos 11% [11].

O que já está a ser feito a nível global?

Neste momento, existem vários pactos, organizações e certificações que procuram proteger as florestas e limitar os efeitos nefastos da desflorestação (uns com mais impacto do que outros), como:

  • UN-REDD (United Nations Collaborative Programme on Reducing Emissions from Deforestation and forest Degradation)

  • Declaração de Nova Iorque sobre as Florestas

  • Plano Estratégico das Nações Unidas para as Florestas

  • UNCCD (United Nations Convention to Combat Desertification)

  • Rainforrest Alliance, da qual faz parte a UTZ

  • FSC (Forest Stewarship Council)

Como podemos contribuir como cidadãos para proteger as florestas?

Como tenho referido sempre, a responsabilidade por reduzir o impacto humano negativo sobre o meio ambiente é não só dos cidadãos, como dos decisores políticos e das empresas. Dito isto, acredito que nós, enquanto pessoas individuais, podemos contribuir e podemos, através do nosso poder enquanto consumidores e eleitores, influenciar as decisões das empresas e dos agentes políticos.

Algumas dicas para reduzirmos a nossa pressão sobre as florestas:

  • Controlar o consumo de produtos com óleo de palma. E porquê “controlar”? Porque o tema do óleo de palma é muito controverso. Este óleo é um dos mais utilizados na produção de produtos alimentares embalados, cosméticos e produtos de limpeza pelas várias suas propriedades vantajosas, como o facto de se manter semi-sólido à temperatura ambiente; de ser resistente à oxidação e por isso estender a validade aos produtos em que é adicionado; de ser estável a temperaturas altas e por isso manter produtos fritos com uma textura crocante durante mais tempo; e por não ter qualquer cor ou odor e por isso não alterar o aspeto, cheiro e sabor dos produtos [12]. Posto isto, o óleo de palma é um grande responsável pela desflorestação, principalmente na Malásia e Indonésia, que combinadas produzem cerca de 85% do óleo de palma utilizado no mundo [13]. No entanto, é um dos óleos com maior produtividade por área de cultivo e, por isso, fazer a sua substituição por outro tipo de óleo pode ser menos sustentável e levar a mais desflorestação. Desta forma, fazer um simples boicote ao óleo de palma pode não ser a melhor opção se quisermos proteger as florestas. Uma solução pode ser termos certificações que garantam que as plantações do óleo de palma que estamos a utilizar são geridas de forma sustentável – e é isto que a RSPO (Roundtable on Sustainable Palm Oil) se propõe a fazer. A questão é que têm surgido várias controvérsias relativamente à sua real eficácia na gestão sustentável das florestas, e na proteção dos trabalhadores que lá trabalham. Como regra geral, para além de preferirmos produtos certificados aos que não têm qualquer certificação, podemos tentar reduzir o nosso consumo de produtos não essenciais que contenham óleo de palma, e simplesmente não consumir alternativas que possam ter outros tipos de óleos em substituição (e que podem ser menos sustentáveis). Nesta categoria, entram produtos alimentares embalados (que podemos evitar, ou cozinhar alternativas em casa de raiz) e produtos de higiene e cosmética desnecessários, por exemplo

    • O óleo de palma está presente em muitos produtos alimentares embalados e cosméticos e nem sempre de forma totalmente explícita: vejam nesta lista da WWF alguns produtos e alguns nomes com que pode aparecer

  • Optar por produtos como cacau e café certificados, nomeadamente pela Rainforest Alliance e UTZ. A produção de café e o cacau é apontada como causa de desflorestação, quando não é gerida de forma sustentável. Apesar de estas certificações também serem alvo de críticas, é das melhores estratégias que nós, enquanto consumidores, podemos adotar para reduzirmos o impacto do nosso consumo de café e cacau

  • Reduzir o consumo de carne, ovos e de derivados de leite. A criação de gado, como vimos, é um dos grandes fatores que contribui para a destruição de florestas, simplesmente porque é preciso espaço para criar os animais. De acordo com Yale School of the Environment [14], a pecuária é responsável por 80% da desflorestação atual na Amazónia. Para além disso, para cultivar o alimento para o gado (como a soja), é também preciso espaço. De acordo com a WWF, 80% da soja produzida a nível global é utilizada para a produção de carne [13]. Desta forma, se formos diretamente “à fonte” e nos alimentarmos de legumes, grãos, fruta e vegetais em geral, estamos a reduzir a quantidade de espaço necessário para produzir o nosso alimento e, assim, a criar menos pressão sobre os terrenos florestais

  • Comprar mobília de madeira em segunda-mão. Ao comprar madeiras que já foram extraídas anteriormente, não se está a promover o corte de mais árvores para produzir novo mobiliário

  • Fazer os aparelhos eletrónicos durar o máximo de tempo possível, e optar por comprar em segunda-mão. Este tipo de produtos requer minérios (como lítio, níquel e cobre) que têm de ser extraídos, várias vezes às custas da destruição de zonas florestais

  • Comprar papel produtos de madeira certificados, nomeadamente com o selo FSC, que tem como objetivo garantir a gestão sustentável das florestas. Mais uma vez, existem controvérsias à volta desta certificação, mas será sempre melhor do que algo sem qualquer validação

  • Recusar recibos de papel, sempre que possível. Mesmo assim, quando disserem que os recibos vão ser imprimidos de qualquer forma, pode ser melhor aceitá-los para termos a certeza de que são reciclados

  • Reduzir a quantidade de folhas de papel utilizadas ao mínimo necessário. Antes de imprimirem ou retirarem uma nova folha de papel da resma, pensem se isso é realmente necessário. Evitem imprimir emails e tudo o que não seja estritamente necessário, utilizem como rascunho os recibos que não conseguiram evitar receber e utilizem ao máximo cada folha (frente e verso, e todos os cantinhos disponíveis, se precisarem de tirar notas rápidas)

  • Utilizar cada caderno/agenda que já têm em casa até ao fim, antes de comprarem um novo – quantos de nós não têm cadernos por acabar?

  • Plantar árvores. Se tiverem um terreno ou um jardim com espaço suficiente, plantar é uma forma de conseguirem acrescentar uma árvore ao Planeta. Pode parecer pouco, mas árvore a árvore, o impacto vai crescendo!

    • Se não tiverem espaço para plantar, podem também apoiar iniciativas que o fazem, como a “Uma árvore pela Floresta” da Quercus e os CTT

  • Trocar o papel higiénico por um bidé. Confesso que ainda não adotei esta alternativa, mas é uma forma de reduzirmos a utilização de árvores um papel que têm um fim tão pouco “nobre” :D

  • Optar por produtos de papel e cartão reciclados. Escolher este tipo de produtos significa que não foi colocada pressão sobre florestas para a extração da sua matéria-prima. No entanto, a reciclagem é um processo que também exige recursos, e por isso é importante limitar o consumo destes produtos ao necessário. Mas atenção: relativamente ao papel higiénico e outros papéis reciclados que entrem em contacto com o pele, existe a preocupação de que estes possam conter substâncias como o BPA, provenientes da reciclagem de recibos e folhas de jornal, por exemplo, e que podem ser prejudiciais à saúde

  • Reciclar todo o papel que não conseguiram evitar e que está apto para reciclagem. Esta dica é das últimas porque o essencial é mesmo reduzir o papel ao qual recorremos: reciclar é o último recurso (mas é fundamental!). É importante, no entanto, saber que papel contaminado com outros materiais ou com gordura não pode ser reciclado e, se o colocarem no ecoponto azul, podem contaminar e inviabilizar a reciclagem do restante papel nesse lote

  • Pesquisar no Ecosia. O Ecosia é um motor de busca como o Google, que utiliza uma grande percentagem dos seus lucros (geralmente 80%) para plantar árvores pelo mundo. Por cada pesquisa em que anúncios são exibidos e o utilizador carrega neles, é gerada receita, que depois é então aplicada, em parte, na plantação de árvores. Pode ser utilizado no computador, através do site ecosia.org, ou no telemóvel, através da aplicação. Em Portugal ainda não vi nenhum anúncio no site, e por isso não é certo que consigamos neste momento gerar receita ao Ecosia – de qualquer forma, ao utilizarmos este motor de busca, estamos a gerar tráfego, que o tornará mais atrativo para potenciais anunciantes no médio-prazo.


 Fontes:

1 “By the Numbers: The Value of Tropical Forests in the Climate Change Equation”, David Gibbs, Nancy Harris and Frances Seymour, World Resources Institute (2018) (https://www.wri.org/blog/2018/10/numbers-value-tropical-forests-climate-change-equation)

2 “Why Forests are Key to Climate, Water, Health, and Livelihoods”, World Bank (2016) (https://www.worldbank.org/en/news/feature/2016/03/18/why-forests-are-key-to-climate-water-health-and-livelihoods)

3 “Why are forests important?”, Food and Agriculture Organization of the United Nations (http://www.fao.org/3/t0829e/T0829E05.htm)

4 “United Nations Strategic Plan for Forests, 2017-2020” (https://www.un.org/esa/forests/wp-content/uploads/2016/12/UNSPF_AdvUnedited.pdf)

5 “The state of the World’s Forests”, Food and Agriculture Organization of the United Nations (2020) (http://www.fao.org/3/ca8642en/CA8642EN.pdf)

6 “Deforestation explained”, Christina Nunez, National Geographic (2019) (https://www.nationalgeographic.com/environment/global-warming/deforestation/)

7 “Five Forest figures for the International Day of Forests”, Tariq Khokhar & Mahyar Eshragh Tabary, World Bank Blogs (2016) (https://blogs.worldbank.org/opendata/five-forest-figures-international-day-forests)

8 “Deforestation Fronts”, World Wildlife Fund  (https://wwf.panda.org/our_work/our_focus/forests_practice/deforestation_fronts2/)

9 “Classifying drivers of global forest loss”, Philip G. Curtis, Christy M. Slay, Nancy L. Harris, Alexandra Tyukavina, & Matthew C. Hansen (https://science.sciencemag.org/content/361/6407/1108)  

10 “Deforestation and Forest Degradation”, World Wildlife Fund  (https://www.worldwildlife.org/threats/deforestation-and-forest-degradation)

11 “REDD+ Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation”, Food and Agriculture Organization of the United Nations (http://www.fao.org/redd/en/#:~:text=It%20is%20estimated%20that%20globally,later%20implementation%20phase%20of%20REDD%2B.)

12 “8 things to know about palm oil”, World Wildlife Fund  (https://www.wwf.org.uk/updates/8-things-know-about-palm-oil)

13 “Myths about deforestation”, World Wildlife Fund (https://www.wwf.org.uk/10-myths-about-deforestation)

14 “Cattle Ranching in the Amazon Region”, Yale School of the Environment (https://globalforestatlas.yale.edu/amazon/land-use/cattle-ranching#:~:text=Cattle%20ranching%20is%20the%20largest,80%25%20of%20current%20deforestation%20rates.&text=Cattle%20ranching%20and%20soy%20cultivation,farmers%20farther%20into%20the%20Amazon.)

Rita TapadinhasComentário